segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Conto: Descobrindo-se parte III

 Por: Thais Wadhy



Ao chegar no cinema, Laura escolheu um filme que parecia interessante; nada muito denso, só tinha uma reflexão interessante sobre o relacionamentos interpessoais e a relação entre sexo, amor, amizade e cumplicidade entre as pessoas. Sentia como se algo a tivesse guiado para esse filme, porque precisava mesmo refletir sobre a vida e sobre as pessoas e suas relações. Comprou uma água e entrou para a sala.

O cinema estava vazio, tinha no máximo umas quinze pessoas espalhadas pela sala. Sentou-se na penúltima fileira, de onde podia ver perfeitamente a tela. Escolheu um lugar mais distante e escondido, para ficar bem à vontade. Ninguém ao seu lado ou ao redor. Reparou na decoração clássica do local, com grandes cortinas de veludo vermelho pendendo do teto, iluminação retrô. As cadeiras eram revestidas de madeira e acolchoadas, num tom bordô, confortáveis, com braços no mesmo estilo, esses braços que podem ser levantados caso queira se aproximar da pessoa ao lado ou ocupar dois assentos. Aconchegou-se em uma poltrona para esperar o início do filme, que iniciaria dentro de 15 minutos.

Enquanto assistia as propagandas, reparou os casais presente no local, alguns se mostravam grudentos e pegajosos, outros pareciam alegres e companheiros e outros, simplesmente distantes. Pensou em como agiria com Léo se ele estivesse presente... e não conseguiu visualizar a cena. E preferiu não forçar a barra: havia saído sozinha para se distrair e não para fritar em questões tão abstratas. Percebeu que também havia uma senhora sozinha na mesma fileira que ela, mas no canto superior oposto. E então, nesse momento, viu entrar na sala ainda iluminada uma mulher de trinta e poucos anos, bonita e estilosa. Parecia feliz e segura, isso sim. Estava tão radiante! Seus cabelos, na altura dos ombros e desfiados, davam um ar leve ao seu rosto. O nariz era delicado, levemente arrebitado e os lábios carnudos. Ela subiu os degraus da sala com passos firmes e graciosos. Vestida uma calça jeans surrada e um pouco larga para seu corpo esguio. O casaco roxo e o cachecol colorido compunham o visual. Sentou-se duas fileiras à frente de Laura, três cadeiras à direita.  Laura imaginou se aquela balzacquiana também estaria na mesma condição que ela, em conflitos, ou se era tão independente a ponto de frequentar sozinha os cinemas e outros estabelecimentos, ainda que estivesse tudo bem nas tantas esferas da vida; será que era casada?  Solteira?

Um minuto depois, a mulher se levantou, ficou um pouco de lado e tirou o cachecol e o casaco. Os seios ficavam marcados por baixo da blusa em tom pastel que usava, sem soutien. Será que não sentia frio? Será que tinha vindo caminhando também, e agora sentia calor? Laura não conseguia tirar os olhos daquela figura exótica e atraente. Observou ela se sentar novamente, quase em câmera lenta.  E quando as luzes se apagaram ela levou um susto; olhou para os lados e se recompôs. Mais uma vez pensou: "estou viajando!".

Conto: sutilezas - parte I

Por: Thais Wadhy





O encontro havia sido marcado para o meio-dia. Era um encontro despretensioso e amigável depois de alguns meses de rusgas e atritos. Quando desligou o telefone, pensou em quanto tempo haviam perdido em discussões ou - pior - em silêncio. Percebeu o quanto tinha sido importante, então, a última conversa - clara e aberta, sem armaduras ou ataques. Sorriu por dentro.

Enquanto tomava banho, pensou no que diria ao encontrar alguém que tanto representava em sua vida.  O almoço poderia dar início a nova etapa, a um outro nível de convivência, mas não sabia como tudo poderia fluir. Absorta, lavou os cabelos longos, ensaboou delicadamente o corpo. Como gostava da sensação do sabonete na pele, deslizando pelas curvas, suave e perfumado! Sentia seu próprio toque enquanto imagens eróticas e abstratas vinham à sua cabeça, compondo situações e cenários imaginários. "Estou viajando!", concluiu.

Voltou a si, finalizou o banho e enxugou-se um pouco mais rápido do que fazia normalmente, demonstrando uma ponta de ansiedade que, até então, não havia percebido. Então, deu alguns passos até o espelho e olhou bem para si, admirando os próprios traços e até as imperfeições. Virou-se de perfil, encolheu a barriga, segurou os próprios seios, empinou a bunda. Depois segurou os cabelos, deixando cair alguns fios pelo rosto, e sorriu. Debruçou-se sobre a pia até chegar bem perto de seu próprio reflexo, encarou-se e então olhou pra dentro de si, pela íris, a vasculhar o que estaria causando aquela ponta de desconforto. Respirou fundo e pesado até embaçar o vidro. Recuou, pensativa. Não tinha certeza sobre o que sentia. Logo ela, tão convicta de suas verdades. Talvez estivesse começando a perceber que a razão nem sempre "tem razão".

No quarto, hidratou seu corpo vagarosamente, como sempre fazia, sentindo e acariciando cada parte do corpo: braços, costas, barriga.... pernas e coxas. Pensou no que usaria e escolheu, na cabeça, um vestido fresco, solto e feminino que gostava de usar nas ocasiões que queria se sentir bonita e confortável. Vestiu-se e, em seguida, maquiou-se levemente, ressaltando o olhar frágil e misterioso, que esconde segredos e até as próprias forças. Sentiu-se leve, finalmente. Todo o ritual de cuidar de si mesma fez bem para corpo, alma e coração. Estava certa de que aquele encontro só faria bem aos dois.


***

Contradições



E é quando tudo parece calmo que por dentro sou só tempestade. 
E é quando tudo parece sereno que os furacões desvastam meu coração.
E é quando tudo parece equilibrado que o peso do mundo esmaga minhas costas.
E é quando tudo parece claro as sombras escurecem meus pensamentos.
E é quando tudo parece razoável que perco o bom senso.
E quanto menos demonstro, mais preciso.

domingo, 28 de outubro de 2012

Salada de pensamentos numa tarde de domingo

Ao longo da vida, aprendemos muito mais com as experiências do que com leitura, conhecimento, troca de ideias. Aliás, posso afirmar que, muitas vezes, só entendemos de fato o sentido das palavras quando vivenciamos as experiências relatadas. Sentir é fundamental ao aprendizado... Ou melhor, os cinco sentidos são fundamentais ao aprendizado!

Como falar de amor sem nunca ter amado? Como ler e entender o relato de uma dor ou angústia sem ter sentido isso na pele? Podemos até compreender, mas é só a partir da experiência que podemos de fato dizer "eu sei o que é isso". Aprendemos de fato quando utilizamos todos os sentidos, e não apenas a razão.

No campo da razão, é a mesma coisa: lemos relatos científicos, estudos de caso, artigos, mas é não é à toa que toda metodologia de ensino utiliza de procedimentos de prática, seja em laboratórios, pesquisas de campo ou outras ferramentas de aprendizagem. Até na solução de crimes é preciso fazer a reconstituição das cenas para que se tenha, pelo menos, uma ideia do que foi vivenciado. 

E, na minha tentativa de ser um ser exageradamente racional, de querer solucionar todas as questões da vida no plano da razão e do pensamento, não percebi que estava ficando.... limitada (burra?!). Viver é parte essencial do amadurecimento, da evolução, do aprendizado e do crescimento.

....


Falando em aprendizado....

Ler sobre a solidão nunca me fez entender de fato o que é sentir-se tristemente só. A prática tem me mostrado que até então eu nunca tinha ficado realmente só e agora, com a experiência dos últimos tempos, tenho aprendido sobre o assunto. Essa falta de vivência me fez exaltar demais a ideia de que ficar sozinha é bom, e é mesmo. Mas, como tudo na vida, solitude tem limites. Ainda que o tempo de aproveitar a si mesmo seja fundamental na vida de qualquer pessoa, fazendo as coisas que se gosta - como ler, meditar, refletir, assistir um filme, ouvir música ou curtir o ócio -, a vida só tem sentido quando compartilhada. Idéias, sentimentos, sensações por si só não têm valor se não foram repartidas.

Só comecei a entender isso durante os últimos dias, os quais passei exageradamente sozinha em casa. Li um livro e tive vontade de conversar sobre ele, de repartir o que senti e o que pensei durante a leitura. Assisti um filme e tive a mesma sensação: de que adianta todo esse conteúdo se ele ficar guardado dentro de mim? Aí veio a ansiedade e a necessidade de estar perto de alguém, pra compartilhar tudo que havia absorvido. Indo além: a beleza de uma paisagem, a gostosura de um suco natural gelado: tudo é muito melhor quando podemos dividir com alguém. 

Não é à toa que usamos tanto as redes sociais, como forma de compartilhar ideias, experiências, emoções, seja através de fotos, comentários, textos ou o que for. As redes sociais são ferramentas que usamos para não nos sentirmos sozinhos em nossas ideias, emoções, sensações, ainda que esses recursos sejam usados de forma equivocada - muitas vezes substituindo as relações humanas.

Em última instância, queremos nos relacionar com as pessoas para aprender, sentir e viver, compartilhando ideias, emoções, sentimentos e momentos.......

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A escola hoje e os alunos que não aprendem

Artigo de Roberto Leal Lobo*
Roberto Leal Lobo e Silva Filho é professor titular aposentado do Instituto de Física de São Carlos da USP e presidente do Instituto Lobo. Artigo publicado na Folha de São Paulo de 23/10/12. 



A educação brasileira está em crise. Além da recorrente violência escolar - a imprensa noticia com frequência casos de alunos armados ou com drogas, além de agressões a professores -, pais e filhos parecem achar que a escola não pode contrariar os alunos ou exigir desempenho. As próprias famílias não conseguem impor limites aos filhos - às vezes, nem os pais têm limites -, algo que se espraia à sala de aula.

Esse problema, que está se tornando quase epidêmico no Brasil, não é desconhecido em outros países. Neste momento, vale lembrar um livro francês que nunca foi muito divulgado no Brasil. Para quem está preocupado com a situação das escolas, vale ler "A Escola dos Bárbaros", de Isabelle Stal e Françoise Thom, publicado no Brasil pela Edusp ainda em 1987, apontando um cenário que só se agravaria no Brasil nas décadas seguintes. As autoras são duas professoras francesas que contam a degradação que viam surgir nas escolas daquele país já na década de 1980.

Os problemas que elas enxergaram nunca soaram tão familiares. Elas consideram que a falta de disciplina nas escolas reflete uma sociedade que "adota o prazer como o ideal, em todas as direções - para tal sociedade, o objetivo da civilização é se divertir sem limites". Ou seja, a escola desistiu de conduzir os jovens à vida adulta. Nesse sentido, as autoras acertam em cheio ao apontar a profusão de práticas extracurriculares, fáceis e sem conteúdo, que servem para matar o tempo do jovem, como um dos grandes problemas da escola de hoje em dia.

Os pais brasileiros podem reconhecer com facilidade essa moda dominando também as nossas escolas. Nas palavras das autoras: "É uma enganação afirmar que a inaptidão para expressar-se, que a ignorância crassa em história, em geografia, em literatura e a incapacidade em seguir um raciocínio elementar" sejam um preço que tenhamos de pagar para que todos se sintam à vontade na escola, permitindo a "inclusão" de todos os alunos. Sob o pretexto de instaurar na escola a igualdade, o ensino é nivelado por baixo. Não há como escrever melhor do que elas: "A ambição da igualdade a todo preço desencoraja o esforço de aprender, tipicamente individual". Não se pode abandonar o ensino de conteúdo ou deixar que os alunos escolham o que querem aprender. É possível incluir todos os alunos na escola - isto é, democratizar o ensino, criando uma escola que atenda à massa - sem a atual catástrofe.

Além dessas teses, as autoras criticam, com muita dureza, pedagogos, professores, administradores, sindicatos de professores e a nova geração de pais. Os sindicatos, especialmente, estão mais preocupados em defender a mediocridade e o corporativismo. Eles apontam soluções simplistas para todos os males que afligem o ensino básico, como o aumento dos orçamentos ou ações tecnológicas nas escolas. Isso sem falar nas ideologias que banalizam o ensino, como se o papel principal da escola não fosse tirar o aluno da ignorância.

O livro pode ser ácido e ter adjetivos em excesso. Pode até ser injusto com relação à importância de democratizar o acesso à educação, algo fundamental para diminuir as injustiças da sociedade. Mas ele é preciso ao defender a destruição de alguns paradigmas tão em moda no Brasil, como:

- A qualidade inquestionável e universal do trabalho em grupo;
- A "postura crítica" sobreposta à absorção de conhecimento;
- A frouxidão e a permissividade em vez de disciplina e cobrança;
- A prioridade das atividades "sociais" em vez do estudo persistente;
- A valorização dos pesquisadores de banalidades;
- A ênfase nas metodologias em vez dos conteúdos.

Vale a reflexão: quantas gerações de alunos serão prejudicadas até o estudo persistente e o conteúdo voltarem a ser valorizados?

* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do jornal.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Pode chorar

Deixa rolar o pranto que alivia.
Chorar não mata,
guardar sim: asfixia.
Deixa a lágrima descer, e de garoa virar tempestade.
Chorar faz bem, menina,
de alegria ou de saudade.
Pode pedir meu ombro, carinho, um lenço;
eu ofereço os dois, meu colo e... silêncio.


Deite aqui, menina. Choraremos juntas.
Poucas coisas constroem tanta intimidade quanto compartilhar o choro.
Mesmo conhecendo bem suas curvas e as cicatrizes de sua pele,
mesmo conhecendo partes escondidas do seu corpo,
ainda há mistérios e segredos a descobrir.
Só as lágrimas revelam as marcas mais profundas da alma.

Tempos estranhos...



Me disseram que 2012 seria um ano de mudanças, definições, de aproximações e rompimentos. Bom, não sei. Sei que têm sido tempos estranhos, no bom sentido. Tempo de leveza e alegrias; tempo de movimento.Transformações? Sim, elas aconteceram, como sempre acontecem ao longo de nossas vidas, à medida que os dias passam. Encontros e desencontros também. Mas, em meio a tudo isso, daria maior destaque para as descobertas. Descobertas de mim, do outro, das possibilidades e oportunidades que a vida leva e traz, num movimento líquido e fluido, gostoso.

Tolerância, humildade, compreensão, respeito, perdão e aceitação são "palavras" (virtudes? atitudes?) que ganham cada vez mais importância na minha rotina, não só com o outro, mas comigo mesma. São essas coisas que têm trazido leveza e fluidez para o dia-a-dia, além de sorrisos espontâneos e gestos de carinho despretensiosos.

Por outro lado, outras convicções se consolidam e o que é de "base" ou de "princípio" ganha força, não por inflexibilidade de pensamentos e ações, mas pela compreensão e consciência de que me fazem ser uma pessoa melhor a cada dia. É preciso coragem pra ser fiel a si mesmo.

Talvez o que tenha mudado mais durante este estranho ano de 2012 tenha sido minha perspectiva de mundo. Alguns chamam de amadurecimento, outros de evolução. Pra mim, é simplesmente o fluxo natural da vida: as experiências ensinam e as transformações acontecem dentro da gente e mudam nosso olhar sobre o outro, sobre as coisas.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Divagando sobre os ciúmes.



Ciúmes é uma forma de mostrar que a gente não quer que a pessoa que a gente gosta seja feliz longe da gente. Não aceitamos que ela sorria, que ela se divirta, que tenha outros amores ou outras paixões (a depender do grau do ciúme, claro). Não quer que curta a vida e que esteja bem sozinha, longe de você e de seus cuidados. Não sabemos viver em liberdade, queremos ser "necessários" ou imprescindíveis.

A gente tem ciúme quando a pessoa amada não nos chama no momento difícil e liga pra outro alguém. Queremos ser a pessoa mais importante, sempre; estar em primeiro plano em todas as circunstâncias. Não é à toa que as mães têm tanto ciúme dos filhos, porque sentem-se em segundo plano, perdem a prioridade.

Temos ciúme daquele amigo que saiu com outra turma e nem nos chamou; de não sermos convidados para algum evento e um colega próximo, sim; de não estarmos no porta-retrato; de não recebermos um presente daquela importante viagem; de não sermos eleitos o melhor amigo; de não sermos padrinhos ou madrinhas; do cachorro não fazer festa quando chegamos; do sobrinho criança que só não sorri pra gente.

No fundo, no fundo, temos mesmo é insegurança. É aquele medo de sermos esquecidos ou não sermos mais tão importantes. É um receio de nos tornarmos secundários ou dispensáveis. O ciúme está sempre ligado à nossa subjetividade, e não à atitude do outro.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Numa tarde de setembro

E entre uma tarde quente de setembro e tantas mudanças que aconteceram nos últimos tempos, escrevo. Depois de muitas dias sem inspiração, sem tempo, sem... vontade. Havia coisas demais pra organizar, dentro e fora de mim.

Agora, não há mais caixas pela sala e nem no coração. Foi tudo lentamente ocupando novos espaços, transformando. Sinto então a leveza tomar conta da minha vida. Bate o vento, traz alguma poeira da rua. Poluição da cidade, e só. Aqui, nenhum papel amarelado, nenhuma sentimento coberto de pó do passado, nenhum pensamento escondido nos cantos.

Olho pela janela, a cortina dança ao sopro de brisa. Meu coração dança junto.