quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Para uma avenca partindo

Caio Fernando Abreu

"Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer atraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ......... ............ ............. ............ .......... ........... ............. ............ ............ ............ ......... ........... ............ ............ sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê..."

Fruit tree

Amores e plantas


Sozinha, sentada na poltrona do ônibus, ela pensava na vida, olhando pra fora. Cabeça apoiada na janela, óculos escuros para esconder os olhos tristes. Gostava dessa individualidade, desse silêncio emocional, porque assim poderia refetir sobre si mesma, sem interferências. Fones no ouvido, o suave som de Nick Drake embalava as memórias e os pensamentos; nem reparou que um estranho havia se sentado ao seu lado, procurando uma oportunidade para iniciar uma conversa. Talvez falasse algo sobre o clima ou sobre a beleza da paisagem que podia ser contemplada pela janela. Mas aquele momento não era propício. Apesar de gostar das pessoas, de conversas despretenciosas, de novas perspectivas e novas vozes, naquele momento estava bem consigo mesma, e assim deveria ser. Precisava de espaço, e tinha encontrado o seu em um ônibus velho, numa estrada até então desconhecida, sentada na poltrona, a olhar a vista. Enxergava muito além do que estava diante dos olhos; a sensibilidade estava aflorada e a mente, aberta. O destino? Não importava. O caminho era muito mais importante.

Viu uma árvore sem vida; pensou na relação que acabara de deixar pra trás ao entrar naquele ônibus. Como a árvore, já estava seca, oca. As flores coloridas e perfumadas, os frutos suculentos e as folhas verdes não existiam mais. Já não absorvia nutrientes do solo, já não realizava suas funções vitais. Decretou que aquele ali seria a sepultura de seu falecido amor, junto da velha árvore de troncos podres.

Do lado de fora, as plantas, as flores, a poeira ia ficando pra trás, como a árvore morta. Imaginou as sementes que, fatalmente, cairiam no asfalto. Nunca cresceriam, nunca chegariam a ser árvore, nunca gerariam frutos ou flores. Estavam fadadas ao fracasso. Outras cairiam em solo impróprio, infértil. Poderiam ousar algum crescimento, mas não duraria muito. Era assim que ela enxergava sua nova paixão, a que estava nascendo: o sentimento servira para despertá-la de sua cegueira emocional que a impossibilitava de ver que seu relacionamento já havia acabado (estava morto!), mas não poderia florescer, não podia virar árvore. Estava com os dias contados porque lhe faltava os ingredientes básicos de sobrevivência de um amor, ou talvez não fosse a estação do ano mais adequada. Inverno, talvez. Mas não primavera.

 Já tinha ouvido muitas vezes que era a pessoa certa na hora errada; já havia dito isso algumas vezes. Mas, naquele momento, sentada na poltrona, suspirando, com os olhos tristes e a boca seca, tentou acreditar que realmente há um propósito para tudo, que nada acontece por acaso, que não existe hora errada, que existe uma vontade divina, que há coisas demais entre o céu e a terra, que um dia entenderia tudo aquilo, e todas as coisas do mundo que amenizam a dor de uma vontade reprimida, de um desejo não realizado, de uma paixão não vivida. "Talvez não era para ser", disse baixinho enquando, em seu íntimo, lembrava-se de um conto de Caio. Desejou ser, pelo menos, uma avenca ou uma samambaia. Quem sabe uma roseira....

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Volver a los 17


"El amor es torbellino de pureza original
Hasta el feroz animal susurra su dulce trino
Detiene a los peregrinos, libera a los prisioneros,
El amor con sus esmeros al viejo lo vuelve niño
Y al malo sólo el cariño lo vuelve puro y sincero"

(Violeta Parra)

Tchau, Frutillar


Frutillar é uma cidade localizada no sul do Chile, próxima a Puerto Montt. A cidadezinha, muito charmosa, apresenta traços de sua colonização alemã: casas, bares e comidas. 

Depois de dias de chuva, o sol, tímido, resolveu dar o ar da graça. Dia fresco e agradável numa cidade de uma atmosfera deliciosa. Visitar lugares assim faz bem pra vista e pra alma....

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Chile: me gusta





Conhecer lugares novos é sempre uma alegria. Cultura e pessoas diferentes, aventuras gastronômicas e novas ideias. A cada lugar que visito, entro em uma viagem interna, conhecendo novos cantos da minha percepção, das minhas vontades e de meus pensamentos. A cabeça que se abre para uma nova ideia nunca retorna ao tamanho original, concordo; aquela que se abre para mundos distintos então.....


Santiago - Chile
Com o Chile, repete-se esse fenômeno. Experiência maravilhosa de visitar um outro país, com cultura, clima e alimentação diferentes do Brasil que eu conheço (direi assim porque reconheço a diversidade do meu país, e ainda há muito o que conhecer antes de dizer que o Chile é diferente de todo o Brasil). Posso dizer que percebi, até agora, dois Chiles diferentes: o central (Santiago e Cajón del Maipo) e o do sul (Puerto Montt). 






Santiago é uma típica capital e, como toda metrópole, é nítida a diferença entre regiões. Há quem diga que Santiago é uma cidade "de primeiro mundo", rica, bonita e organizada. Dizer isso é conhecer os bairros ricos, bem planejados, com prédios modernos, praças arborizadas, pessoas de maior poder aquisitivo. Mas há muitas outros bons lugares para se ver! Como as viñas, que são alvo de todo turista que se preze, belíssimas e muito charmosas, próximas às cordilleiras. Concha y Toro é lindíssima, muito bem estruturada; turística. E há as viñas menores, como a charmosa Aquitania. E como são bonitas as cordilleiras cercando as viñas e a cidade! 

Aquitania
O Centro, ainda que tumultuado, é interessantíssimo. Pessoas caminhando rapidamente de um lado pro outro, turistas, trabalhadores, tudo junto e misturado. Tomar "café con piernas", comprar lembranças baratas que farão muita gente feliz na volta pra casa, ver gente de todo tipo e lojas esquisitas. As construções são mais antigas, o que dá um ar meio vintage ao lugar. Ah, o centro.... "me encanta". 

Bairros charmosos e mais anternativos também fazem parte da paisagem urbana dessa cidade, com seus cafés e pubs mais sofisticados, como o Bella Vista e Providencia.

O clima quente e seco de Santiago, às vezes, sufoca. No verão, fica difícil andar pela cidade depois de meio-dia: o sol queima e todo lugar fica muito quente. Mas, depois das 17hs, o vento bate, quase como uma carícia depois do castigo.

Gostei de tudo isso na capital chilena. E gostei também das conversas que tive, as pessoas que conheci, da receptividade de meus anfitriões, dos vinhos que tomei, das cervejas artesanais, dos silêncios.


O sul é bem diferente disso tudo, exceto pela última parte. Bons vinhos, muitos frutos do mar, peixes, pessoas fantásticas e ótimas conversas com castellano improvisado fizeram parte de meus dias aqui em Puerto Montt, uma cidade pequena, com vista pra uma baía do Pacífico. Clima frio e úmido, casinhas de madeira, quase todas no mesmo estilo, bairros inteiros com casas iguais. A atmosfera daqui é tão agradável que nem mesmo a chuva constante foi motivo de pesar. Improvisamos confraternizações em casa, regadas a bons vinhos e muito assunto. Sem falar nos vulcões, nos grandes lagos, na rica beleza natural.

Ficarei mais alguns dias em Puerto Montt, depois retorno a Santiago. Que delícia! Certas viagens são como música: confortam o coração.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Força


"Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar!"

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A confiança



Eu não costumo duvidar das pessoas. Na verdade, digamos que sou um tanto "inocente", acredito demais nas pessoas. Tenho fé no ser humano, ainda que quebre a cara de vez em quando e que, uma vez o outra, o capetinha fale coisas ao pé do meu ouvido. Aliás, escrevendo isso me fez lembrar de um filme que eu adoro e que agora, pensando com meus botões, tem uma cena com a qual me identifico: "Um beijo roubado". É só um parênteses, não quero me alongar nos comentários sobre o filme, mas essa cena reflete um pouco o que penso. Natalie Portman diz a Norah Jones (Lizzie) que ela não deveria acreditar tanto nas pessoas. Lizzie reflete um pouco sobre isso e confessa, em uma carta da Jude Law, que tentou não acreditar nas pessoas e fracassou; depois ficou grata por isso.

Bom, voltando ao assunto do post... aconteceram algumas coisas na minha vida durante essa semana que me fizeram refletir muito sobre confiança. Como a confiança é tão difícil ser construída, é tào forte para sustentar relações e, ao mesmo tempo, tão frágil, que se quebra com um sopro.

O fato é: tem uma pessoa que trabalha na minha casa há mais de 13 anos. É uma pessoa ótima e séria, trabalhadora, mas tem um defeito: de vez em quando ela "toma posse de objetos que não são dela", vamos dizer assim pra não ficar tão pesado. São sempre coisas pequenas, sem valor, que estão meio esquecidas e, por isso, demoramos para dar falta. Aí, quando percebemos, é tarde demais. De vez em quando acontecem umas discussõeszinhas aqui em casa sobre o assunto, principalmente quando some algo que tem um valor especial pro dono. Foi o caso de uns baralhos de Portugal que ganhei de uma amiga muito querida: eles sumiram e eu quase surtei.... depois eles apareceram no lugar de novo, como que por milagre (lugar, diga-se de passagem, que eu já havia checado). É, de vez em quando ela "devolve" as coisas, acho que ela guarda e fica atenta pra ver se sentimos falta e, se não, ela se apossa de vez do objeto em questão. Outra coisa que ela devolveu foi uma nota de R$ 50,00; essa sim eu dei falta na hora e ela ficou bem sem graça quando me devolveu, desviando o olhar e inventando uma desculpa: "caiu no chão quando fui arrumar seu quarto e eu guardei". É, "guardou" em seu próprio bolso uma nota de R$ 50,00 que caiu da minha calça. estranho, não? Bom, resumindo: as coisas somem aqui em casa e nos "acostumamos" com isso, acreditando que as qualidades da nossa funcionária pesam mais na balança do que esse defeito; quando alguma coisa especial some, damos o grito e, e alguns casos, a coisa reaparece. Em outros, não.

Acontece que essa semana "sumiram" as alianças da minha mãe (ela usa uma aliança bem sofisticada, de brilhantes, com uns aparadores. Uma coisa meio madamesca). É que quando minha mãe mexe com produtos químicos, os anéis dão alergia e então ela tira pra dormir (ou quando vai ficar em casa)... e, no dia anterior, ela havia feito escova prograssiva em seus cabelos e os dedos estavam feridos no lugar da aliança. Então, ela foi ao dentista, sentiu o dedo coçar, mexeu nas alianças, voltou pra casa, fez mil coisas, dormiu, acordou e, quando percebeu, as alianças não estavam onde supostamente deveriam estar, em seu criado mudo (se não fosse mudo, poderia contar o que aconteceu... hehehe).  Ligou pra figura em questão e perguntou se ela tinha guardado; ela disse que não. 

Eu e minha mãe começamos uma saga pra achar as alianças. Reviramos o apartamento todo, tudinho, todos os cômodos e cantos: quarto dela, quarto dos meus irmãos, sala, debaixo dos móveis, nas camas, nas frestas, na geladeira! E nada. Só em um lugar não procuramos: dentro do armário onde guardamos as roupas de cama.

No dia seguinte, foi um escarcéu. Minha mãe pediu pra Fulana (não quero citar nomes, então vou chamá-la assim) encontrar as tais alianças e ela ficou ofendida. Começou um bate-boca dos infernos e uma troca de alfinetadas entre as duas que - como imaginei - não acabaria bem. Tom de voz elevado, choro... De certo modo, entendo o lado da Fulana, porque eu ficaria ofendida também se alguém insinuasse que eu estaria roubando. Mas também entendo o lado da minha mãe que, acostumada com algumas infrações da dita-cuja, achou que esse seria mais uma de seus delitos.

Depois do quebra-pau, eu e minha mãe demos mais uma vasculhada na casa toda pra ter certeza de que as alianças não tinham sido colocadas pela própria dona em lugares estranhos, por descuido. Não encontramos nada, mas não abrimos o tal armário.... E eu, defendendo o lado fraco da história, disse pra minha mãe: ela nunca iria roubar jóias de uso cotidiano....  são alianças! Você está o tempo todo com essas alianças, seria muito arriscado, muita burrice (Fulana é espertíssima). 

Bom, mais uma noite se passou e, no dia seguinte, minha mãe tomou a decisão de demitir a figura. Mas antes, precisava dar férias a ela (ela tinha 15 dias de férias vencidas). Então, a comunicou sobre as férias somente (e não sobre a demissão) e, desolada, ficou sem as alianças. Nesse dia, a passadeira veio também aqui em casa para passar a roupa limpa, inclusive a roupa de cama, que seria colocada no tal armário que não fora vasculhado. 

Quando Fulana foi pra casa dela e minha mãe resolveu guardar a roupa passada, adivinha? As alianças estavam no armário de roupa de cama. Pergunto a vocês: o que aconteceu? Não sabemos, e escrevi tudo isso pra chegar exatamente aqui, nesse ponto.

Hipóteses:
  1. A Fulana pegou as alianças mas achou que não desconfiaríamos dela (seguindo a minha linha de raciocínio de que ela nunca pegaria algo que usamos no dia-a-dia); mas, depois do chilique da patroa, arrependeu e colocou num lugar que minha mãe provavelmente não havia procurado. Deixou no armário logo no dia de guardar as roupas de cama limpas. 
  2. A Fulana queria provocar minha mãe, então desapareceu com a aliança por algum tempo pra depois as colocar num lugar estranho e ouvir minha mãe dizer, pela milionésima vez "estou doida, minha cabeça está ruim demais" (sim, elas têm certa rixa). Mas, me questiono: como ela poderia saber que o único lugar onde não procuramos havia sido esse armário??? Impossível....
  3. Minha mãe, que afirmou estar com alergia nos dias que as alianças sumiram, pode ter mexido no armário com as alianças na mão (ela as tira quando está com alergia) e deixado lá sem perceber, por descuido ou esquecimento.
Pergunto de novo: quem está certo? Não seria injustiça demitir a Fulana por algo que ela pode não ter feito?
Pra quem já assistiu "12 homens e uma sentença", vai entender o plágio: existe aqui uma dúvida razoável. Não podemos afirmar nada! Não é possível descobrir se ela pegou de fato as alianças ou se minha mãe está com a cabeças nas nuvens. Mas agora... pensem comigo: minha mãe não desconfiaria se a outra não tivesse nos dado tantos motivos no decorrer dos anos!

Então, dei um conselho pra minha mãe: demita-a. Não porque ela roubou os anéis (até acho que, dessa vez, a minha mãe é que estava errada e simplesmente deixou as alianças no armário), mas porque é uma relação onde não há mais confiança mútua. Ambas desconfiam uma da outra e sempre acham que as ações são de má-fé. A confiança foi quebrada, seriamente danificada.... como conviver assim?

É como nos relacionamentos amorosos: é preciso haver confiança para se viver em paz e construir uma relação saudável. Caso contrário, o relação corrói pelo ciúmes e pela paranóia. Quando há confiança, as duas partes podem ter liberdade para viver que não há cismas; o dia-a-dia é leve e alegre. Mas, se uma das partes quebra essa confiança, acabou. Dificilmente consegue-se viver bem novamente, porque ao menor sinal de uma traição, haverá brigas. E mesmo quando um disser "vou trabalhar até tarde" (e realmente for verdade) o outro desconfiará. Repito: como viver assim?

A confiança é como a base de um edifício: ela sustenta a estrutura e, uma vez rachada, o conserto é improvavél, ou demora um longo tempo, muito trabalho e dedicação. E afirmo: cuidado com as atitudes, seremos sempre julgados por elas. Se nossas atitudes inspiram confiança, confiança teremos. Se não....


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Reflexões para uma vida melhor


Certa vez, um amigo me disse:

"É engraçado demais como as pessoas mudam com o tempo. É estranho ver que, às vezes, as pessoas mudam tanto, que influenciam até em sua aparência..."

É, as pessoas mudam sim. Mas não só elas mudam; nosso olhar sobre elas, fruto de nossas próprias transformações internas, também muda, e passamos a ver nas pessoas outros gestos, outras características e outras particularidades.

Com o amadurecimento (quando se busca, de fato, a evolução), passamos a enxergar as pessoas com outros olhos, muitas vezes mais brandos e mais livres de jugamentos e pré-concepções, ou mais generosos.

Quando tenho a impressão de que alguém mudou demais, geralmente me questiono: a pessoa realmente mudou tanto assim ou foi o meu olhar sobre ela que se transformou? Amadureci? Passei a vê-la de outra forma, a enxergá-la de fato com suas belezas e defeitos? É que acho que nossa forma de pensar e ver as coisas muda também contribui para essa percepção de que tudo ficou tão diferente.

Mudanças são positivas quando possibilitam que nos tornemos pessoas melhores. Tento buscar isso o tempo todo. Quando faço essa reflexão, vejo o quanto ainda sou imatura, pouco flexível, intolerante e perfeccionista (no sentido ruim da palavra); percebo o quanto preciso me transformar, amadurecer, ser uma pessoa melhor, mais humana, mais livre, mais relaxada e mais  generosa comigo mesma.

Só espero que minha caminhada nessa vida seja sempre iluminada por Deus. Não esse Deus da religião, mas o Deus que vive nos bastidores do teatro da vida, o Deus perfeito e generoso que nada de assemelha à figura do Deus humano que as pessoas insistem em pintar. Que, iluminada por sua luz e sua verdade, eu consiga enxergar meus caminhos e conduzir meus passos rumo a uma vida melhor e mais plena. Que consiga sempre ver as pessoas com os olhos do coração e da humildade. Que tenha sabedoria para fazer as escolhas que precisam ser feitas.....