- Obrigada por me convidar, a gente precisava mesmo conversar. Me dá um copo d’água?
- Água? Sim, claro, vou buscar! Mas sente-se e fique quieto porque hoje tenho muita coisa para lhe falar... porque pensei tanto, tanto..... e me preparei para falar, porque eu nunca consigo dizer o que eu realmente quero em essência... sou sempre tão prática e atrapalhada.... digo umas coisas pensando em outras..... por isso gosto de escrever, porque consigo estruturar melhor as ideias e....
- Valeu. Legal as mudanças que fez por aqui.
- É... Que bom que notou, algumas foram feitas pensando em você. Eu me sinto melhor quando mudo o ambiente de forma a refletir o que eu sinto e penso. Será que está triste demais? Coloquei enfeites coloridos para disfarçar...
- Sua água! mas... não vamos desviar, por favor... eu tenho tanta, tanta coisa para lhe dizer..... não sei por onde começo... *suspiro*....
- Não sei por onde começo.
- Comece pelo essencial. O que você quer conversar?
- Senti sua falta. Queria conversar sobre a gente.
- Também senti. Pode falar....
- É que.... já não cabe dentro de mim tanto sentimento contido, não vivido, trancado. Incrível a capacidade dos sentimentos de nos sufocar; é como se eu estivesse imersa em águas turvas: não enxergo, me falta o ar ou mesmo um sopro de brisa. Perdi a leveza e a fluidez. É dura a dor de um amor não esgotado, um amor interrompido. O que restou dele está trancado dentro de mim e, apesar de sua pureza, já não serve para nada: “tornar o amor real é expulsá-lo de você para que ele possa ser de alguém...”. E já que não pode ser mais seu, o que EU vou fazer com ele? E o que fazer com aquilo que não foi vivido com intensidade e plenitude? O que fazer com o estoque de sonhos e desejos, com projetos não realizados, planos não concretizados?
- Diga, estou esperando....
- Desculpe, estou organizando meus pensamentos para dizer.... bom.... Queria que fosse possível abandonar resquícios, os restos desse amor que um dia transbordou e foi maior que o mundo. Mas não, eles estão aqui guardados e não consigo deixá-los, porque são grandes e fortes demais para serem abandonados, ignorados, largados de lado. Eles ficam aqui dentro de mim, como uma vontade reprimida, um “pra sempre” que não quer acabar. É demais querer ser feliz? Não, não é apego, meu amor. Também não é a incapacidade de dar a volta por cima. Eu poderia. Mas é que, com o coração partido e o espírito derrotado, não tenho forças para seguir em frente sozinha, nem para fazer outros planos, porque para isso preciso repensar e reinventar toda a minha vida. Porque você ainda está em todos os planos que tenho, em todas as minhas vontades, desejos e aspirações. Você está em tudo o que eu sempre quis pra minha vida. Você é parte do sonho....
- Vai ficar assim, em silêncio?
- Não, não... é que estou buscando uma forma de dizer o que sinto....
- Está com a expressão de angústia.
- Estou? Não são os “se’s” que pesam, é a vida que parece não ter mais sentido se você não está lá, em tudo que vislumbro pro futuro. Você não é um acréscimo no plano da minha vida, você é o coração do plano. O que ser sem você estar lá? Ainda não sei desenhar essa perspectiva....Dizem que casa é onde o coração da gente está. Esse meu coração atrevido, que não sai de você, está me fazendo pagar caro demais pelo aluguel. Com você, ele se sente em paz, e eu me sinto plena e compreendida. Me sinto em equilíbrio comigo mesma e com o mundo. E agora você não está mais aqui.... Era pra ser uma história linda de final feliz, meu amor... como novela que, após os percalços, tudo se ajeita. Mas a vida não é ficção. Será que algumas pessoas não têm aptidão para tanta felicidade?
- Será que algumas pessoas não têm aptidão para tanta felicidade?
- Como assim? Está doida?
- Sei lá, a gente.... a gente era feliz. Eu sinto sua falta, sabe.
- Sei.... também sinto. Mas não estou entendendo aonde quer chegar.
- Bom, como dizer isso? Nosso amor era bonito, meu bem. Juntos éramos imbatíveis e tínhamos todos os sonhos do mundo. Alcançaríamos o paraíso trilhando juntos as estradas, de mãos dadas. E nem mesmo precisava de destino final, bastava o prazer de caminhar lado a lado. Viver cada dia com plenitude, amor e simplicidade. Viver a vida, isso fica martelando ainda na minha cabeça... viver a vida... viver a vida....
- Viver a vida. A gente queria viver junto.... e agora estamos separados.
- Mas você não quis mais, disse que estava confusa e queria terminar.
- Eu sei... mas eu sinto sua falta. Eu queria que a gente conversasse e buscasse uma saída. Eu não quero viver sem você.... Ah, meu amor, às vezes fecho os olhos e volto nessa época. O êxtase do encontro, do reencontro. Cada mensagem, cada palavra, cada encontro era pleno em si. O mundo poderia acabar que seríamos felizes... até que o que acabou mesmo foi o que tornava tudo mais colorido: nosso relacionamento. Quando foi que começamos a correr demais na estrada da vida? Quando foi que, confesso, não pude mais acompanhar seu ritmo; que soltamos nossas mãos e passamos a caminhar sozinhos, mesmo pertos um do outro? Quando foi que nos afastamos?
- Eu sofri demais com tudo isso, você sabe. Muita água passou por debaixo da ponte....
- Eu sei, por isso te chamei pra você vir aqui e a gente conversar.... pra esclarecer alguns pontos. Eu errei com você, eu sei..... mas... foram as circunstâncias.... eu não sabia como agir e.... Eu me perdi. Eu, que sou racional e preciso sempre compreender as coisas e controlá-las, perdi o controle; fiquei confusa em meio a tantas mudanças. Surtei por não me permiti perder as rédeas e as estribeiras, ficar vulnerável e exposta; deveria entender que não há problema nisso quando temos alguém para nos amparar, como você sempre fez. Afinal, as relações também são para isso, não é?
- ...e pisei na bola.
- Olha, eu entendo, mas eu conheci outra pessoa.....
- É? *Suspiros*. A vida prega peças na gente, meu amor. Achei que o mundo fosse parar para eu ajustar as idéias e consertar as feridas do coração. Mas ele não pára. A vida segue, ela urge. E então, você cansou de esperar por mim ao longo dos caminhos tortuosos e decidiu seguir por outra direção; optou por abandonar os planos e os projetos nos quais depositamos expectativas e vontades. Nada mais justo quando parecia que eu os havia abandonado primeiro.... Mas não, não foi abandono. Eu demorei, mas reencontrei novamente a trilha da minha vida, reencontrei aquela onde estão as coisas essenciais, especiais, bonitas e humanas; aquela na qual você estava, sempre esteve e da qual eu havia me desviado. Tarde demais? Parece que sim, porque você já não está mais nesse lugar, já tomou outro rumo....
- Sim...
- E então, o que faremos? Vai continuar com essa pessoa que conheceu? Me pergunto novamente, meu amor, o que faço com tudo que restou? O que fazer com o estoque de sonhos e desejos? Com projetos não realizados, planos não concretizados? O que fazer da minha vida se você permeia toda ela, não só no passado, mas principalmente no futuro? O que fazer se ainda não vislumbro um caminho no qual você não esteja? São infinitos os questionamentos. Há dias esperando por mim, eu sei, mas não os enxergo. Não os desejo, nem os almejo. A visão é turva e me sinto presa, incapaz de dar um passo a frente. Como se esperasse, em vão, o seu resgate. Digo “em vão” porque sei que nossas escolhas tem propósitos e consequências, e tenho a certeza de que tomou sua decisão ciente disso. Então, o que me resta? Não sei o que me resta....
- Acho que o que está feito, está feito. A decisão já foi tomada. É isso....
- Mas você não gosta mais de mim? E tudo que vivemos? Você vai largar? E a nossa história, e os anos de cumplicidade e companheirismo? Não faça isso, meu amor, não faça isso...
- Gosto, mas muita coisa mudou....
- Então cada um segue seu rumo? Me questiono se devo lutar por você ou aceitar a mão cruel do destino. Sei que a nossa subjetividade é fluida e que tudo é questão de tempo. Que, em breve, provavelmente estaremos os dois em cantos distintos buscando construir a vida e a felicidade, talvez até mesmo nos moldes que um dia fizemos juntos... mas estaremos separados! Então essa alternativa é uma abstração que ainda não consigo conceber..... eu não quero....
- Sim, é o melhor a fazer agora. A vida segue....
- Assim? Disse que lhe faria confissões de adolescente e estamos mantendo essa civilizada conversa de adultos! E eu nem consegui escancarar meu coração! Queria dizer “eu assumo!”....
-*Suspiros*
- É, talvez você tenha razão.... Eu assumo que sofro absolutamente por não ter você ao meu lado. Isso é muito juvenil? Sofrer assim? Sofro por não me recuperado antes de tanta tragédia emocional e por você não ter tido um pouco mais de paciência para me esperar; sofro pelos encontros e desencontros, pelas palavras não ditas nos momentos certos (e foram muitas) e por não ter me permito ser adolescente antes, quando ainda estava em tempo. Não quero abrir mão de você, espere....
- Bom, vou indo. Boa noite....
- Já? Espere, meu amor, não vá. Quero lhe dizer tanta coisa.... eu queria falar tudo que ainda está preso aqui dentro e ouvir tudo o que você pensa e sente sobre isso tudo... se abra comigo! Conte-me suas mágoas, seus receios, suas angústias. Fique, vamos tentar reconstruir o que se perdeu. Não vá... por favor, não vá.
- Sim, acho que já dissemos tudo. Você está calada hoje. A não ser que tenha algo mais a dizer....
- Bom, acho que...... Calada? Como, calada? Por dentro, grito sentimentos e emoções. Mas tem um nó na garganta que me impede de falar. Ah, meu amor, espero que você esteja feliz, que tenha valido a pena mudar de percurso. Ou espero que, se não, reconheça e também procure outros caminhos, procure se reinventar. Quem sabe nessas buscas a gente não se encontra novamente? O mundo dá voltas.... e eu te quero tanto! Será que você ainda gosta de mim? Será que deixou de me amar? Queria tanto um abraço seu, um beijo....fique mais um pouco e eu vou dizer tudo que está na minha cabeça e no meu coração, prometo....
- .... acho que não.... Acho que dissemos tudo....
- Fique bem.
- Boa noite e cuide-se. Meu amor....
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