sexta-feira, 13 de maio de 2011

Conto: Descobrindo-se - parte I

Por: Thais Wadhy


Já era tarde quando ela decidiu sair de casa para se distrair um pouco, deixar de pensar nos problemas. Estava se sentindo ansiosa demais devido aos últimos acontecimentos: atritos no trabalho, sobrecarga de responsabilidades (sentia até os ombros mais pesados do que deveria), desentendimentos no relacionamento. Quando pensava no relacionamento, ficava ainda mais angustiada; havia algo errado, ela sentia com sua intuição feminina, mas não sabia dizer ao certo o que era. Tinha coisas por trás das brigas banais, alguma subjetividade, alguma coisa mal resolvida; mas o que?  Para pensar melhor, queria sair. "Sozinha", pensara. Então ligou para o namorado:

- Oi, linda - atendeu ele do outro lado, com a voz um tanto entediada, jurando que o telefonema seria para conversar mais uma vez. Detestava conversar por telefone e discutir a relação.
- Oi. Estou ligando pra avisar que vou dar uma volta - respondeu ela, fingindo não perceber o tom da voz que ela não gostava que ele fizesse, pois parecia estar culpando-a pelos problemas.
- Dar uma volta? Estou em casa, cansado. Trabalho amanhã cedo.
- Eu sei, eu vou sozinha. Vou dar uma volta.
- Dar uma volta sozinha? - Perguntou, desconfiado. Ela nunca queria sair sozinha. - Está doida? Vai sair sozinha a essa hora? 
- Vou, preciso pensar um pouco na vida, espairecer. Vou dar uma volta, estou ligando pra avisar.
- 'Tá bom então. Vai aonde? - Aquilo era muito estranho pra ele, que sempre esteve acostumado com o jeito caseiro da namorada.
- Não sei....   beijo, boa noite - Disse ela, querendo colocar um fim na conversa. Não estava a fim de muitas explicações.
- Beijo, boa noite. Qualquer coisa, me liga.

Qualquer coisa me liga? O que foi aquilo? Pensou ela, percebendo as palavras vazias do namorado, sem significado. Quer coisa mais vaga do que "qualquer coisa, me liga"?  Mas não estava nem um pouco disposta a pensar sobre as palavras dele, que quase sempre nessas horas representavam um "ahan pra não render".

Entrou no banheiro, olhou-se no espelho. Reparou em seus olhos cor de mel, levemente puxados, em sua boca bem feita, no nariz arrebitado e até nas marcas de expressão, que demonstravam para o mundo que já não era mais uma menina. Sentiu-se bonita, há tempos não se sentia assim. Analisou-se de frente, de perfil, esticou a pele do rosto para ver como ficava lisinha, sorriu para si mesma. Tirou a calça jeans surrada que tanto gostava de usar,  a camisa xadrex acinturada e a lingerie lilás, soltou os longos cabelos castanhos que exibiam poucas mechas mais claras, da cor de seus olhos. Ficou na pontas dos pés para ver seu corpo inteiro, ou pelo menos do joelho pra cima; admirou suas curvas, de frente e de perfil. Murchou um pouco a barriga pra ver como ficava se estivesse um pouco mais magra. "Se eu perder uns 2kg, vai ficar ótimo", pensou, como toda mulher pensaria. Então olhou sua bunda pelo espelho, checou os pelos das axilas, conferiu se havia algum cravo para ser retirado e, sentindo-se pronta, rumou para o banho.

Ligou o chuveiro, deixou a água cair em seu rosto, como se pudesse limpar a alma. Fechou os olhos para se desligar do mundo e, mais uma vez, sentiu um peso nas costas. Para aliviar, virou-se de costas e deixou a ducha massagear seus ombros. Então lavou-se vagarosamente, curtindo o deslizar de suas mãos ensaboadas pelo corpo. Arrepiou com seu próprio toque, o bico dos seios endurecidos. "Tesão acumulado", pensou ela, que há alguns dias não transava com seu namorado por causa dos atritos das últimas semanas. Então, para não se entreter demais no chuveiro, desligou-o. Enxugou-se lentamente, hidratou o corpo com uma loção de cheiro suave e foi para o quarto para vestir-se.

2 comentários:

  1. Encanta-me essa sua capacidade de nos levar, seja para outros mundos, seja para um só, tão intimo profundo e cheio de sensualidade. Esse modo de explorar o mundano (a brigas entre namorados, a vidinha banal e cotidiana) e então, paulatinamente, depois de um simples diálogo, você nos invoca a entrar na esfera sagrada do corpo. Dois momentos: O primeiro feito de constatações simples, porém deliciosas de ler e o segundo com a propriedade única de mexer com a nossa imaginação. Bem, forte para um domingo de manhã. (continua na II parte do conto)

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  2. Peterson,
    Eu adoro brincar com coisas cotidianas, escrever sobre o trivial, mas mostrar que pode ter magia até nas coisas mais simples.
    Que bom que gostou, beijos.

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